O cão que tinha uma lata amarrada no rabo

Era um vilarejo como outro qualquer. Casas com belos quintais, crianças nas ruas, pais que saíam com seus carros logo de manhã, donas de casa sempre vestindo seus aventais bordados e as deliciosas tortas de amora resfriando nas janelas, aquelas que dão água na boca de qualquer um.

O Sol subia todas as manhãs, convidando os paparicados cachorrinhos da região a brincar com as crianças. Cavando, correndo e sujando-as de terra. O Vilarejo das Flores – como era chamado- tinha tudo para ser comum. Alegre, colorido, mas comum. Não havia nada de  se estranhar… Até o Sol se pôr. Pois a noite, pertencia ao cão.

Cicatrizes nas patas, focinho cortado, dentes afiados. Era o temor de todas as casas. Todos permaneciam em silêncio ao escutar o batido da lata no asfalto. Uma lata, pois em certo momento da história, com medo de que o cachorro ferisse mais moradores do que já havia ferido, dois corajosos homens amarraram o metal na cauda do animal. Assim, poderiam escutá-lo quando estivesse próximo.

O cão perambulava pelas ruas derrubando latas de lixo esquecidas do lado de fora e atacando os moradores desatentos. Não se sabia ao certo o porquê dos atos violentos, mas quanto mais ocorriam, mais os moradores se preparavam.

Logo não havia mais nada para ele nas ruas. As latas de lixo eram retiradas, as crianças protegidas e as flores cercadas por grades. Novos portões foram instalados. Maiores, mais brutos. Todos queriam noites de sossego, jantares em família. E haviam conseguido. Estavam tão felizes com suas medidas de segurança que se esqueciam do cão circulando lá fora.

Passaram-se meses em sossego. A noite continuava a ser do cão, mas sozinho, lá fora. Até aquela noite…

Foi durante o jantar dos Freires, bem na hora da sobremesa, que ele apareceu. Magro, faminto, mais louco do que nunca. Estraçalhou o vidro da janela ao saltar para dentro da sala de jantar. Seu focinho escorria saliva; estava desesperado. Todos correram pela porta dos fundos enquanto o monstro pulava pela cozinha, se alimentando de tudo o que pudesse.

A bagunça acordou os vizinhos que saíam nas janelas, confusos. Ouviam-se os gritos da família em desespero: “”Socorro! Ele entrou! Ele entrou em casa!”” Ninguém sabia como agir. Estavam estarrecidos. A família, que corria aos prantos pela rua, foi acolhida numa casa vizinha.

Ao acabar a comida, o cão correu sentido às outras casas. O barulho da lata era ensurdecedor. As pessoas assistiam a assustadora cena das janelas escancaradas, rezando para que suas casas não fossem escolhidas pelo monstro. Infelizmente – para ele – o evento não durou muito tempo: ao atravessar a janela da casa de Terezinha, teve a garganta cortada pelo vidro. Terezinha, que estava em choque, acalmou-se ao ver o bicho ensangüentado no chão, dando seus últimos suspiros. Com o silêncio da situação, os moradores saíram à rua, aproximando-se do corpo imóvel. Formou-se uma multidão quieta ao redor da casa. Não estavam aliviados, mas com pena. Que fim horrível teve o cão, todos concordavam.

O corpo foi retirado da casa após o momento de contemplação velórica. Era o fim daquele tormento, mas não pareciam contentes. Teriam que se acostumar agora, às noites de silêncio, sem o som da lata no asfalto.

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