O cão que tinha uma lata amarrada no rabo

Era um vilarejo como outro qualquer. Casas com belos quintais, crianças nas ruas, pais que saíam com seus carros logo de manhã, donas de casa sempre vestindo seus aventais bordados e as deliciosas tortas de amora resfriando nas janelas, aquelas que dão água na boca de qualquer um.

O Sol subia todas as manhãs, convidando os paparicados cachorrinhos da região a brincar com as crianças. Cavando, correndo e sujando-as de terra. O Vilarejo das Flores – como era chamado- tinha tudo para ser comum. Alegre, colorido, mas comum. Não havia nada de  se estranhar… Até o Sol se pôr. Pois a noite, pertencia ao cão.

Cicatrizes nas patas, focinho cortado, dentes afiados. Era o temor de todas as casas. Todos permaneciam em silêncio ao escutar o batido da lata no asfalto. Uma lata, pois em certo momento da história, com medo de que o cachorro ferisse mais moradores do que já havia ferido, dois corajosos homens amarraram o metal na cauda do animal. Assim, poderiam escutá-lo quando estivesse próximo.

O cão perambulava pelas ruas derrubando latas de lixo esquecidas do lado de fora e atacando os moradores desatentos. Não se sabia ao certo o porquê dos atos violentos, mas quanto mais ocorriam, mais os moradores se preparavam.

Logo não havia mais nada para ele nas ruas. As latas de lixo eram retiradas, as crianças protegidas e as flores cercadas por grades. Novos portões foram instalados. Maiores, mais brutos. Todos queriam noites de sossego, jantares em família. E haviam conseguido. Estavam tão felizes com suas medidas de segurança que se esqueciam do cão circulando lá fora.

Passaram-se meses em sossego. A noite continuava a ser do cão, mas sozinho, lá fora. Até aquela noite…

Foi durante o jantar dos Freires, bem na hora da sobremesa, que ele apareceu. Magro, faminto, mais louco do que nunca. Estraçalhou o vidro da janela ao saltar para dentro da sala de jantar. Seu focinho escorria saliva; estava desesperado. Todos correram pela porta dos fundos enquanto o monstro pulava pela cozinha, se alimentando de tudo o que pudesse.

A bagunça acordou os vizinhos que saíam nas janelas, confusos. Ouviam-se os gritos da família em desespero: “”Socorro! Ele entrou! Ele entrou em casa!”” Ninguém sabia como agir. Estavam estarrecidos. A família, que corria aos prantos pela rua, foi acolhida numa casa vizinha.

Ao acabar a comida, o cão correu sentido às outras casas. O barulho da lata era ensurdecedor. As pessoas assistiam a assustadora cena das janelas escancaradas, rezando para que suas casas não fossem escolhidas pelo monstro. Infelizmente – para ele – o evento não durou muito tempo: ao atravessar a janela da casa de Terezinha, teve a garganta cortada pelo vidro. Terezinha, que estava em choque, acalmou-se ao ver o bicho ensangüentado no chão, dando seus últimos suspiros. Com o silêncio da situação, os moradores saíram à rua, aproximando-se do corpo imóvel. Formou-se uma multidão quieta ao redor da casa. Não estavam aliviados, mas com pena. Que fim horrível teve o cão, todos concordavam.

O corpo foi retirado da casa após o momento de contemplação velórica. Era o fim daquele tormento, mas não pareciam contentes. Teriam que se acostumar agora, às noites de silêncio, sem o som da lata no asfalto.

Chile, why not?

Todo mundo já está careca de saber que nem sempre as coisas acontecem como planejamos. Fala a verdade. Quem nunca se perdeu a caminho de uma festa? Quem nunca descobriu que estava sem crédito no bilhete único bem na hora de passar na catraca? E, claro, quem nunca perdeu um vôo para NY e ganhou um dia hospedado em Santiago no Chile? Eu já passei por todas essas situações e digo: nem sempre as mudanças inesperadas são ruins. Meu dia no Chile foi ótimo!

Para começo de conversa, foi estranho a agência de intercâmbio ter agendado meu vôo para NY, para a escola de treinamento, fazendo conexão em Santiago. São Paulo – Santiago – New York. E com 55 minutos de intervalo entre os vôos. Qualquer pequeno atraso influenciaria na continuidade da viagem. Não é muito lógico. E isso me fez muito feliz.

Quando eu e as outras 5 meninas, também au pairs brasileiras indo para a escola de treinamento em NY, chegamos no aeroporto de Santiago, fomos interceptadas por uma simpática funcionária da companhia área que nos levava, e recebemos a chocante notícia. O avião que pegaríamos para NY já estava partindo e não havia tempo suficiente para que embarcássemos. A informação foi assustadora. Tão assustadora que algumas meninas simplesmente saíram correndo na esperança de alcançar o avião que partia. Esperar 24 horas para o próximo vôo? Dei risada. Sempre dou risada quando não devo. Mas a situação não parecia nada divertida. Perderíamos o primeiro dia na escola de treinamento e não sabia se isso poderia resultar em algo que comprometeria o meu ano nos Estados Unidos.

Fiquei imaginando nossas malas e acampamentos pelos corredores do aeroporto, entediadas, contando cada minuto que passasse. Mas no meio do delírio escutei a frase que merecia o prêmio Nobel da paz: “Já reservamos o hotel com todas as refeições incluídas. Não se preocupem com nada”. E recebemos nossos vouchers para hospedagem no hotel Hilton de Santiago. Assim fica difícil reclamar.

Ri mais alto ainda.

Um simpático taxista nos levou até o hotel. Vocês podem imaginar o tamanho da algazarra que fizemos dentro daquela mini van? Afinal, o que mais cinco jovens brasileiras poderiam fazer além de festejar e se divertir ao receberem um prêmio extra de viagem?

Analisamos a situação e decidimos tirar o melhor proveito possível disso tudo.

A primeira coisa que veio à nossas mentes foi (adivinhem só!): Balada Chilena! Informamos-nos com o taxista sobre qual seria o melhor local para isso. Estávamos animadas! Cantávamos, ríamos, dançávamos. Já estávamos planejando como chegaríamos lá. Mas assim que chegamos ao hotel nossas alegrias foram despedaçadas. Aparentemente, Santiago dorme aos domingos, e a única companhia que teríamos no centro da cidade não era de gente agradável: Bandidos, bêbados e afins… Não estávamos mais em São Paulo, onde todo dia e toda hora é de festa.

“Que coisa chata! Teremos que dormir esta noite.”

Decepcionadas, selecionamos nossos quartos e companheiras e nos dirigimos aos aposentos.

Devo mencionar que foi muito fácil se comunicar com todos por lá, e que fomos recebidas com muita simpatia. Todos, funcionários e hóspedes, sorriam por nossa euforia e entusiasmo. E o Portunhol era compreendido por todos. O esforço que faziam para compreender tudo o que dizíamos me lembrou muito ao Brasil, onde todos falam, gesticulam, pulam, desenham, dançam, plantam bananeira e se esforçam ao máximo para entender um estrangeiro. Mas em Santiago parecia que falávamos a mesma língua. Todo mundo se entendia.

Naquela primeira noite, depois de muitos “Olha isso! Olha essa cama! Olha esse chuveiro! Olha essa cadeira! Olha essa janela!” e “Não acredito que estamos aqui!” e muita conversa, nos deitamos. Mas meu relaxamento pré-sono foi interrompido por ruídos no andar de cima.

Móveis arrastados, objetos atirados e gritos desesperados de uma mulher. Ouvi uma voz masculina esbravejar com tom severo, precedidos de sons que me pareciam surras. Meu olhos arregalaram-se de susto. Estava com medo pela moça do quarto acima. E se a pobre coitada viesse a falecer de tanto ser espancada? Meu coração acelerou e decidi acordar todo mundo. Aparentemente eu era a única, entre as meninas, que havia escutado alguma coisa. O som era mais nítido da minha cama. Reunimo-nos, as quatro, no mesmo canto do meu quarto. Todas em silêncio para escutar cada detalhe, até mesmo os sussurros.

Eu, como boa samaritana, fiquei em desespero para informar a recepção. Repeti 50 vezes que telefonaria, mas minhas queridas companheiras me convenceram de que seria mais emocionante sair do quarto e procurar qual seria a localização exata da briga. E assim fizemos.

Vestimos rapidamente nossos chinelos e não nos preocupamos em trocar de roupa. A emergência não permitia tal. Saímos de nossos aposentos usando os mais (não)refinados pijamas e pegamos o elevador até o andar de cima.

Silêncio total.

De fato, não localizamos o alvo. O corredor inteiro estava em silenciosa paz. Nossos ouvidos, disfarçadamente colados nas portas, não puderam detectar o perigo.

Caminhamos de volta, um pouco decepcionadas. Eu, mais preocupada ainda. Era tarde demais para salvar a pobre moça.

Liguei para a recepção. Me sentia culpada por não ter telefonado antes.

O portunhol foi suficiente para que o telefonista entendesse de cara o que eu estava dizendo. Ou talvez ele já imaginasse qual seria o assunto, pois me informou que outros hóspedes já haviam lhe informado da situação. E que tudo já havia se normalizado. Fiz-me acreditar que a moça estava bem.

Tranqüilizei-me o bastante para poder dormir. O que não demorou muito.

No dia seguinte levantamos cedo, decididas a fazer um agradável City Tour por Santiago. Deliciamo-nos com o café da manhã do restaurante. Comi um pouco de tudo… Ta, quem eu quero enganar? Comi muito de tudo o que tinha direito!

Nada melhor do que café da manha de hotel. Com todos aqueles pãezinhos e docinhos. Cereais, sucos e frutas cortadas, só esperando por você. Ai, que delícia.

Fizemos um ótimo acordo com um dos funcionários do hotel: Pelo preço que pagaríamos pelo City Tour convencional que saía do centro da cidade, em um daqueles ônibus lotados de turistas e com paradas padronizadas, tivemos uma van só pra nós com o simpático motorista Jorge e a adorável companhia do guia Otávio, que é brasileiro, o que nos poupou muitos: “O que ele disse? Que lugar é esse? Não entendi.” Sem contar os lugares legais que não teríamos conhecido pelo tour comum. Como o bar/boteco La Piojera! Super alternativo. A decoração do lugar só pode ser compreendida marcando presença no lugar. Folhas de papel com desenhos, mensagens, recados, fotos e tudo o que se tem direito, coladas nas paredes e no teto, por todos os lados. Tocar as paredes é aflitivo de tão grotesco que é o lugar. Mas ao mesmo tempo é inesperadamente interessante. E a companhia de um copo de Terremoto, drink típico de lá, completa a nostalgia. Vinho branco, alguma erva que não me lembro e sorvete de abacaxi. Tem uma cor esquisita e é terrível no primeiro gole. Mas você não quer parar depois do último.

Deixamos nossa marquinha no boteco. Colamos bem no alto uma pequena bandeira do Brasil, que eu carregava na carteira há muitos anos, como nossos nomes nela. Quem sabe voltaremos em alguns anos e nos depararemos com nossa marca ainda lá, enquanto tomamos outro Terremoto.

Seguimos nossa jornada comprando souvenirs no mercado municipal. Chaveiros, chapéus e cartões postais. Assistimos à troca da guarda da Casa do Governo, com música, marcha e cavaleiros (O evento só acontece a cada 48 horas, chegamos no dia certo por acidente!). Trocamos 10 reais por 5000 pesos e nos achamos ricas. Apreciamos os antigos edifícios que se assemelham muito aos que encontramos no Centro de São Paulo, inclusive pelas desagradáveis pichações. Conhecemos a Igreja X (não me lembro o nome agora. Quem me conhece sabe que minha memória não é confiável.), que é a mais bonita em que já estive até hoje. O queixo caiu com o dourado cintilante por todos os lados, as lindas pinturas no teto alto e as belas esculturas pelos corredores. Não sou religiosa, mas a minha vontade ali era de sentar e orar, só pra fazer parte daquela beleza toda.

Pagamos nossos pecados subindo um milhão de degraus para chegar na estátua de Inmaculada Concepción, e como recompensa tivemos a revigorante imagem de toda a cidade e das cordilheiras que a cercam. O que não teria
sido possível sem nosso Tour exclusivo, que foi finalizado no supermercado, comprando salgadinhos e Pisco Sour. Outra bebida típica e deliciosa. Algo como uma caipirinha, que desgutamos em meio à risadas no jardim do hotel.

Tínhamos apenas algumas horas antes de pegar o avião para NY.

Comemos ansiosamente nosso almoço incluso, ou pelo menos tentamos. Nem mesmo minha persistência em manter a cultura de não deixar Tô rica!nada no prato me permitiram terminar aquela refeição. Com mais algumas garfadas minha língua derreteria . A pimenta era tanta que em tal momento foi inevitável ir ao banheiro e abrir a boca debaixo da torneira.

Envergonhada e triste, tive que abandonar o carismático purê de batatas com legumes. “Sinto muito, pessoal, é mais forte do que eu.”

Com a refeição mal aproveitada, era preciso compensar a perda. Tinha a obrigação de aproveitar aquele curto tempo de hospedagem que restava. Recusei-me a ir embora sem dar no mínimo um mergulho na piscina do Hilton e usufruir de 5 minutinhos da sua sauna. Afinal, se a vida te dá limões, faça uma droga de uma limonada suíça, uma caipirinha, um mousse, faça malabares… qualquer coisa. Mas use até o último gominho.

Pois foi o que Paula e eu fizemos enquanto o restante descansava e organizava as bagagens. Saboreamos os últimos goles de Pisco Sour e como jatos subimos para nossos quartos. Vestimos nossos biquínis e não consegui evitar de rir do roupão que ela usava, amarrado por um cinto colorido.

Desfilamos com pura elegância pelos corredores do Hilton.

A piscina aquecida no segundo andar estava esperando por nós. Clamando por nós. Era nosso momento de aproveitar o que o Hilton ainda tinha de melhor para oferecer gratuitamente.

Foram os mergulhos mais tortos da história da humanidade.

E nossa imaginação fluiu como se fôssemos duas crianças. Em questão de minutos as bóias salva-vidas foram retiradas da parede e rodeavam nossas cinturas ou serviam de alvo para saltos mal-elaborados, o que me rendeu alguns arranhões. Mas quem se importa?! Eu estava ocupada demais fazendo o meu mousse de limão que não pude me preocupar com conseqüências. Pulei, saltei, corri, mergulhei. Tiramos fotos constrangedoras, fizemos vídeos sem sentido e secamo-nos na sauna por longos, sonolentos e relaxantes minutos.

Dali conseguia ver a academia e me questionei o porque de existirem pessoas malhando ali. Sempre achei que academia de hotel só servisse de enfeite ou que só fosse utilizada quando o lugar hospedasse atletas em época de campeonato. Qualquer outro tipo de uso de academia de hotel não me parecia possível. Mas aparentemente, não é todo mundo que relaciona hospedagem com comer muito no café da manhã, relaxar e dormir.

Meu corpo quase cozido estava fundido ao banco de madeira. A vontade de se mexer era quase nula. Mas o dever de arrumar as malas não podia ser adiado.

Desfilamos novamente pelo caminho de volta aos nossos quartos.

O dia foi tão cheio de acontecimentos que parecia ter sido uma viagem de três dias. Pude arrumar meus pertences com a consciência tranqüila, pois aproveitei ao máximo aquela aventura inesperada.

Entreguei as malas aos funcionários (me sentindo muito chique e desconfortável) e me despedi do quarto inacreditavelmente confortável. Nem me preocupava mais por ter perdido o primeiro dia na Escola de Treinamento em New York. Nem me lembrava que era por isso que estava perdida em Santiago.

Depois que fiz o check-out, gastei meus últimos créditos em “snacks” na lanchonete, e me despedi do Rafita, bonitinho e simpático da recepção, a ficha começou a cair de novo.

Eu estava indo para New York. Em direção à uma vida nova e totalmente diferente.

Êxtase, ansiedade e nervosismo.

No avião, sentei ao lado de um sujeito igualzinho ao Johnny Depp. Até franzi a testa analisando-o disfarçadamente pelo canto do olho, para ter certeza se não era mesmo. Mas o que Johnny Depp estaria fazendo na classe econômica da LAN, não é mesmo? Mesmo tendo o privilégio da janelinha…

Agora, seria muito legal finalizar a história do meu dia em Santiago no Chile, dizendo que assisti diversos filmes, conversei toneladas com o falso Johnny e viramos grandes amigos e vivi imensuráveis aventuras durante todo o trajeto da viagem. Mas tirando o momento das refeições, em que era difícil ficar de olhos abertos e a aventura de perguntar para a comissária de bordo o motivo de ter um imenso frango no meio da minha refeição vegetariana (o que me rendeu uma refeição extra, com sobremesa extra e pãozinho extra, então não foi tão desagradável assim), eu, como um urso, dormi do começo ao fim.

Tchau Brasil…

 

Foi tudo culpa do zíper!

Eu já havia fechado a mala que despacharia, e estava terminando de encher a mala de mão, super orgulhosa de mim mesma por levar apenas uma de cada. Não é todo mundo que consegue uma proeza dessas sabendo que ficará um ano fora do país. Mas eu conseguira! Me sentia um monge, com aquela história toda de desapego. Mas aquele zíper cretino tinha que acabar com os meus devaneios no mosteiro.

Ele decidiu não fechar. Decidiu que a minha mala de mão, super bem planejada, estava cheia demais pra ele e que não faria uma viagem tão longa apertado daquele jeito. Eu estava atrasada, desesperada, assustada… e ele riu da minha cara. Ele riu na cara do perigo, desacatou a autoridade máxima, comeu bife em sexta-feira santa. Eu empurrei, xinguei, puxei e sacudi. Nada. Foi o meu fim.

Comecei a chorar feito um bebê. Não sabia mais o que fazer. Parecia que todos os meus planos estavam indo por água abaixo, que tudo o que eu havia calculado tinha sido em vão. Não conseguia nem falar. Estava arruinada.

Minha querida avó tentava me confortar. Dizia para que eu não me preocupasse, que tudo ia dar certo. E eu sabia disso. Mas acho que todo o choro que até então havia sido reprimido, veio à tona, e eu não conseguia impedí-lo. Eu chorava alto; Retorcia o rosto e o sentia ficar vermelho. Continuei sentada no chão sem saber o que fazer, encarando a desgraçada da mala de mão. E realmente não fiz nada. Foi minha irmã quem fez. Trouxe uma mochila e começou a dividir a bagagem. Meu orgulho se despedaçou: eu levaria duas malas de mão.

O portão do monastério se fechou na minha cara e pude ver os monges com olhares de reprovação.

Daí pra frente eu me recusei em pensar na bagagem. Agradeci por ter uma irmã e mãe tão boas e gentis que organizaram tudo por mim. Meu estado emocional não me permitia mais ser racional.

As imagens que passaram a freqüentar a minha mente continham rostos de amigos queridos e familiares dos quais eu sentiria falta. Comecei a me despedir do meu humilde apartamento. “Tchau, quarto. Tchau cama. Tchau armário. Tchau banheiro. Tchau quarto da minha mãe…” Com soluços e lágrimas entre cada despedida e lembranças de acontecimentos maravilhosos que tivera com cada cômodo e objeto. Vivera ali por 18 anos e 11 meses da minha vida. Não conseguia entender que não os veria durante um ano, ou talvez mais. Fazia meu coração doer.

O processo de despedida e reconhecimento da importância de meus pertences queridos começou a demorar muito e o atraso a ficar cada vez maior. Dadas as circunstâncias de risco, alguém veio gentilmente me buscar. Acho que se ninguém interrompesse, eu ainda estaria lá me despedindo. Atravessei o apartamento com os olhos embaçados pelo choro e fui me despedindo de tudo aquilo que podia. Mas fechar a porta do meu lar foi o pior de todos. Doeu no fundo dos meus ossos. Meu lar, minha vida. Eu os estava abandonando.

“Tchau casa.”

O processo do aeroporto também foi doloroso. Não saí do colo da minha mãe e não tenho vergonha de admitir. Era meu último aconchego antes de partir. E ficar um ano sem a mulher da minha vida… É, eu sei que vai ser difícil. Ela esteve lá todos os dias, linda e sorridente como sempre. Eu tinha que aproveitar até o meu último segundo no colinho dela. Afinal, não tem nada melhor do que colo de mãe.

Contar cada minuto era tão triste e ao mesmo tempo muito emocionante. Eu sabia que estava chegando perto da hora de me despedir da minha família, mas também sabia que tava cada vez mais próxima da minha grande aventura. Então eu chorava de felicidade por conquistar algo pelo qual eu batalhara tanto e de tristeza por ficar longe daqueles que amo. É uma confusão danada.

Não parei de abraçar, beijar, chorar e sorrir. Tentar ouvir atentamente qualquer palavra que dissessem, para ter certeza de que não me esqueceria do som de suas vozes. Eu vou sentir tanto a falta deles.

O relógio não foi nada gentil.

18:30. Hora de partir. Meu coração rachou ao meio. Passou tão rápido! Eu desejei só por alguns instantes voltar pra casa. Mas eu sabia que ninguém permitiria isso. Muito menos minha consciência. Ela seria cruel. Me puniria pelo resto da vida. E talvez até depois disso. Ela nunca foi delicada comigo. Sendo assim, racional, estava na hora. Queria que todos ali fossem pequenos o bastante para levá-los no bolso. Mas provavelmente teria problemas na alfândega. Ouvi dizer que são muito rígidos quanto ao tráfico de gnomos. Então não houve escapatória.

Os últimos sorrisos e olhares antes de partir. Os últimos beijos e abraços. E eu os fiz com vontade.

Tchau mãe. Tchau vó. Tchau irmãos. Tchau cunhados. Tchau família.

Não consegui parar de olhá-los enquanto cruzava o corredor de embarque. Derramei as últimas lágrimas, mas com um sorriso no rosto por sentir aquele amor tão grande. Acenei. E os perdi na divisória. Respirei fundo em confusão, mas soube que era esse o meu momento. O meu novo começo.

Deixei a coragem tomar conta de mim.

Minha respiração falhava e eu morria de vergonha da minha cara de choro. Mas decidi não me importar. Isso era o de menos. Eu precisava me localizar e ficar atenta. Estava por conta própria agora e tinha uma longa jornada pela frente. Cada passo me fazia sentir mais confiante e em poucos instantes me senti em paz. Eu sabia o que estava fazendo e sabia o porquê de fazê-lo. Senti que era aquela a minha estrada.

Eu estava no lugar certo.

Meu coração se reergueu de orgulho.

“É com você agora.”

Tchau aeroporto. Tchau Brasil…

 

Brincadeira dos Deuses

Tudo começou com uma gravidez. Terceiro bebê, segunda menina. E para eles, já seria o bastante.

Das primeiras vezes, os nomes escolhidos apareceram de formas inesperadas, porém servindo como uma luva. Era um mistério como tudo acontecia. Mas a verdade é que cada filho escolhera o próprio nome, e já era de se esperar que na terceira vez não fosse diferente.

O pai, Carlos, não contava todos os detalhes. Mas a cada gravidez ele sonhava com o nome que escolheria para o filho. Talvez não explicasse muito bem a história porque o único detalhe do qual se lembrava depois, era o nome do bebê.

A mãe, Karin, era quem mais se preocupava. Fazia listas e listas com opções de nomes, mas nunca o casal chegava à alguma conclusão. Carlos era de difícil agrado nesse aspecto. Não tinha pressa, afinal, o nome apareceria, uma hora ou outra.

E foi no último dia da gravidez que os dois puderam concordar.

Já era a terceira vez que o pai sonhara com o nome. Estava convencido da idéia e decidiu mostrar para a esposa. Procurou o nome nos seus muitos livros sobre a Índia. Lila. Nome Sânscrito para definição de Brincadeira dos Deuses. A flor lilás, em Alemão, descendência materna da família. Não há quem negue a suavidade desse nome.

E foi tal simplicidade e beleza no significado que fizeram a mãe se apaixonar.

E na tarde do dia seguinte a criança nasceu. Mais um motivo de felicidade na família. Mais um nome, e que serviu como uma luva.

Moça

Sorria,

Abra os olhos,

Você não está sozinha.

 

Sinta bater o coração que te abraça,

A mão em seu ombro,

O sorriso que te aguarda.

 

Levante a cabeça,

Respire fundo,

Estenda os braços.

 

O passado não assusta,

O futuro não intimada.

Moça, não chore mais.

Ria, viva, escreva sua história.

Ao meu avô

 

E o momento pouco esperado

Por fim chegou

Este dia inesperado

Que com certeza chocou.

 

Assim percebe-se quanto tempo foi perdido,

Quantas falas não ditas e sentimentos esquecidos.

 

Não estive ao seu lado para segurar sua mão,

Contar segredos,

Ouvir bater seu coração.

 

Segurei as lágrimas,

Mantive posição.

Permaneci calada,

Chorando apenas na solidão.

 

Permaneci longe

Sem ao menos pensar

Que o tempo corre

E por mim não ia voltar

 

Não estive perto nem ao menos

Para lhe agradecer

Por sorrir, amar

E nunca me esquecer

 

Ou para me desculpar,

Pelas coisas que deixei passar,

Por te deixar sozinho,

Esquecer de me preocupar.

 

Realmente achei que teria mais tempo.

Mas, talvez, nem assim perceberia que fui tola.

 

Agora vejo que este coração distante,

Levavas contigo.

Coração que então chora,

Pela perda de um grande e velho amigo.

 

Em memória de Carlos Barbosa; avô, pai, amigo, irmão. Fique em paz.

Ele se foi

 

Eu olho no espelho e seco a lágrima que escorre,

espero que ninguém tenha visto.

Eu não queria que escapasse.

 

Eu não preciso disso.

É besteira.

Qualquer um pode aguentar.

Não agrada ninguém ouvir criança reclamar.

 

Todas as dores e vestígios

são argumentos sem sentido,

Já que um dia ou outro qualquer tristeza há de passar.

 

Ele se foi, outro está indo.

Você já devia ter aprendido:

É proibido se apegar.

 

Deixa pra lá essa inocência,

tem que mudar a sua essência,

tem que deixar de acreditar.

 

Pois é

sozinha que consegue (e deve)…

Você não pode mais amar.

 

Eu já não posso e nem consigo,

eu não sei mais o que eu sinto.

Eu não sei mais o que é viver…

 

Cada hora, minuto, segundo…

Passa rápido e inútil,

escuro e nebuloso,

com um único motivo.

 

Só pra evitar que eu sinta,

Só pra evitar que eu ceda,

Só pra evitar que eu caia.

 

Eu não posso mais pensar, é o meu castigo.

A dor é muita se eu lembrar.

 

Que é de costume nessa vida,

Eu sei que vão me abandonar.

Nem tudo está perdido

Jurei não amar de novo

Entendi que é pra quem tem sorte

Contentei-me com a idéia de que não precisava disso

 

E aqui estou

Sentindo o vazio sem saber o que falta

Perdendo o controle

Procurando, errante, a mão que aqueceria a minha

 

Compreendi, em alguns que não poderia chamar de amores

Que existia agora a necessidade de um abraço

que não fosse mal intencionado

Um beijo que nada fosse a não

ser união de lábios apaixonados

 

Protege-me destes que fizeram mal

Mostra que veio servir de conforto

Que amar não é pecado

E nem tudo está perdido.

Hastes mal-feitas

O que acontece quando tudo o que acreditamos

Torna-se desconhecido?

 

Quando as palavras que nos sustentam

São hastes mal-feitas

E as pessoas que amamos

Tornam-se nojentas?

 

É estranho como tudo pode mudar.

Confiança se transforma em raiva,

Amigo em inimigo,

Amor em medo.

 

Descobri que são possíveis infinitos sentimentos,

Bons e ruins,

Ao mesmo tempo,

E por uma só pessoa.

 

E como fico eu, tola,

Que acreditei numa boa alma

Que entenderia meu mundo

E completaria meus sonhos?

 

Acreditei, cegamente,

Que não estava perdida;

Ainda restava bondade,

Existia a verdade.

 

Talvez seja proibido sonhar

Talvez não exista alguém que me proteja.

 

Pode ser que eu não mereça tudo que quero,

Tudo que sonho.

 

Aliás, não “tudo”

Mas “só”.

 

Nunca fui exigente.

Aceitei sempre o pouco que me foi designado

E não reclamo, apenas sigo

Conforme me é descrito,

Pela estrada vazia

Sem saber o que há escondido.

 

Agora entendo:

Fui vítima,

Do vilão e seu comparsa.

E o que achava ser tudo,

Foi nada além de uma farsa.

Você não se importou

Você não se importou com o que eu queria,

Não se deu ao trabalho de se preocupar,

Não havia motivo para saber o que eu sentia.

 

Até o momento em que tudo desmoronou

E não havia mais jeito, era tarde demais.

 

Um coração se quebrou,

Uma vida

acabou,

Um anjo chorou.

 

Agora percebo,

Não é justo.

E o que virá agora não depende mais de mim.

Aliás, nunca dependeu.

Nunca pude escolher,

Simplesmente aconteceu.

 

E doeu…

E dói…

 

A cada dia fica menor a esperança

E maior a certeza de que não vai mudar.

 

Você não vai mudar.

 

E eu terei que me acostumar

A ficar sozinha

E lembrar:

 

Você teve escolha,

E escolheu me magoar…