Tchau Brasil…

 

Foi tudo culpa do zíper!

Eu já havia fechado a mala que despacharia, e estava terminando de encher a mala de mão, super orgulhosa de mim mesma por levar apenas uma de cada. Não é todo mundo que consegue uma proeza dessas sabendo que ficará um ano fora do país. Mas eu conseguira! Me sentia um monge, com aquela história toda de desapego. Mas aquele zíper cretino tinha que acabar com os meus devaneios no mosteiro.

Ele decidiu não fechar. Decidiu que a minha mala de mão, super bem planejada, estava cheia demais pra ele e que não faria uma viagem tão longa apertado daquele jeito. Eu estava atrasada, desesperada, assustada… e ele riu da minha cara. Ele riu na cara do perigo, desacatou a autoridade máxima, comeu bife em sexta-feira santa. Eu empurrei, xinguei, puxei e sacudi. Nada. Foi o meu fim.

Comecei a chorar feito um bebê. Não sabia mais o que fazer. Parecia que todos os meus planos estavam indo por água abaixo, que tudo o que eu havia calculado tinha sido em vão. Não conseguia nem falar. Estava arruinada.

Minha querida avó tentava me confortar. Dizia para que eu não me preocupasse, que tudo ia dar certo. E eu sabia disso. Mas acho que todo o choro que até então havia sido reprimido, veio à tona, e eu não conseguia impedí-lo. Eu chorava alto; Retorcia o rosto e o sentia ficar vermelho. Continuei sentada no chão sem saber o que fazer, encarando a desgraçada da mala de mão. E realmente não fiz nada. Foi minha irmã quem fez. Trouxe uma mochila e começou a dividir a bagagem. Meu orgulho se despedaçou: eu levaria duas malas de mão.

O portão do monastério se fechou na minha cara e pude ver os monges com olhares de reprovação.

Daí pra frente eu me recusei em pensar na bagagem. Agradeci por ter uma irmã e mãe tão boas e gentis que organizaram tudo por mim. Meu estado emocional não me permitia mais ser racional.

As imagens que passaram a freqüentar a minha mente continham rostos de amigos queridos e familiares dos quais eu sentiria falta. Comecei a me despedir do meu humilde apartamento. “Tchau, quarto. Tchau cama. Tchau armário. Tchau banheiro. Tchau quarto da minha mãe…” Com soluços e lágrimas entre cada despedida e lembranças de acontecimentos maravilhosos que tivera com cada cômodo e objeto. Vivera ali por 18 anos e 11 meses da minha vida. Não conseguia entender que não os veria durante um ano, ou talvez mais. Fazia meu coração doer.

O processo de despedida e reconhecimento da importância de meus pertences queridos começou a demorar muito e o atraso a ficar cada vez maior. Dadas as circunstâncias de risco, alguém veio gentilmente me buscar. Acho que se ninguém interrompesse, eu ainda estaria lá me despedindo. Atravessei o apartamento com os olhos embaçados pelo choro e fui me despedindo de tudo aquilo que podia. Mas fechar a porta do meu lar foi o pior de todos. Doeu no fundo dos meus ossos. Meu lar, minha vida. Eu os estava abandonando.

“Tchau casa.”

O processo do aeroporto também foi doloroso. Não saí do colo da minha mãe e não tenho vergonha de admitir. Era meu último aconchego antes de partir. E ficar um ano sem a mulher da minha vida… É, eu sei que vai ser difícil. Ela esteve lá todos os dias, linda e sorridente como sempre. Eu tinha que aproveitar até o meu último segundo no colinho dela. Afinal, não tem nada melhor do que colo de mãe.

Contar cada minuto era tão triste e ao mesmo tempo muito emocionante. Eu sabia que estava chegando perto da hora de me despedir da minha família, mas também sabia que tava cada vez mais próxima da minha grande aventura. Então eu chorava de felicidade por conquistar algo pelo qual eu batalhara tanto e de tristeza por ficar longe daqueles que amo. É uma confusão danada.

Não parei de abraçar, beijar, chorar e sorrir. Tentar ouvir atentamente qualquer palavra que dissessem, para ter certeza de que não me esqueceria do som de suas vozes. Eu vou sentir tanto a falta deles.

O relógio não foi nada gentil.

18:30. Hora de partir. Meu coração rachou ao meio. Passou tão rápido! Eu desejei só por alguns instantes voltar pra casa. Mas eu sabia que ninguém permitiria isso. Muito menos minha consciência. Ela seria cruel. Me puniria pelo resto da vida. E talvez até depois disso. Ela nunca foi delicada comigo. Sendo assim, racional, estava na hora. Queria que todos ali fossem pequenos o bastante para levá-los no bolso. Mas provavelmente teria problemas na alfândega. Ouvi dizer que são muito rígidos quanto ao tráfico de gnomos. Então não houve escapatória.

Os últimos sorrisos e olhares antes de partir. Os últimos beijos e abraços. E eu os fiz com vontade.

Tchau mãe. Tchau vó. Tchau irmãos. Tchau cunhados. Tchau família.

Não consegui parar de olhá-los enquanto cruzava o corredor de embarque. Derramei as últimas lágrimas, mas com um sorriso no rosto por sentir aquele amor tão grande. Acenei. E os perdi na divisória. Respirei fundo em confusão, mas soube que era esse o meu momento. O meu novo começo.

Deixei a coragem tomar conta de mim.

Minha respiração falhava e eu morria de vergonha da minha cara de choro. Mas decidi não me importar. Isso era o de menos. Eu precisava me localizar e ficar atenta. Estava por conta própria agora e tinha uma longa jornada pela frente. Cada passo me fazia sentir mais confiante e em poucos instantes me senti em paz. Eu sabia o que estava fazendo e sabia o porquê de fazê-lo. Senti que era aquela a minha estrada.

Eu estava no lugar certo.

Meu coração se reergueu de orgulho.

“É com você agora.”

Tchau aeroporto. Tchau Brasil…

 

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